domingo, 30 de agosto de 2009

CARTA 1


Escrevo, tomo chimarrão. Nessa manhã ensolarada de domingo, faço os planos da tarde, pois a manhã já se esvai. Li algumas reportagem sobre: a política do Brasil, as desgraças as quais ocorreram ontem (alguns mortos, diversos feridos ou salvos, no entanto todos machucados pelas circunstâncias caóticas do dia-a-dia), novas armas atômicas, IPI reduzido e a previsão do tempo.
Lido isso, penso nas consequências. Esboço uma carta para Dulcinéia Napolina III:
"Aqui, minha flor, a coisa está feia. Eu achando que aqui veria mulheres com os peitos de fora (lotados
de purpurina), vejo vários atirados por aí, as traças, esperando demais para que alguém faça algo por eles. Rápidos apenas nas palavras, mas nas ações a inércia permanece a mesma, porque o individualismo, ignorância, medo e impunidade reinam. Esse horror silencioso, lembra-me o livro do José Saramago (Ensaio sobre a
Cegueira): os malvados reinam, enquanto os bons subjulgam-se, custando a rebelarem-se, indo além dos xingamentos aos desgraçados.
Perguntei a um vivente:
- o que ocorre
aqui?
Ele respondeu:
- sempre foi assim, não se assuste. Pois um dia Brasília pegará fogo, a Terra há de comer seus destroços, comprovando a esperança brasileira.
- como pegará fogo? - perguntei de novo.
- Só Deus sabe, amigo.
Dulcinéia, a questão é que nem tudo está nas mãos de Deus. A maioria está na dos homens, estando eles de mãos atadas ou não. E não preciso viajar milhas e milhas para se chegar a essa conclusão, a muito tempo já dita por vários.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

poisé, meu galo, a coisa está ficando feia. 4! (não fatorial). Os posts vão ficar cada vez menos frequentes (ahahahah! como se alguém visse-os). Nenhuma vertigem filosófica, apenas uma dissertação. Muitíssimas coisas para fazer. Vou-me.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009


Adoro o nascer do sol, ele me dá esperança. Uma sensação de renovação e novas possibilidades, mas também muitas saudades. A forma de "interpretar" o nascer do sol varia conforme cada um. alguns apenas admiram a beleza e cores, outros filosofam ou veem alguma grandeza de Deus. Como disse: varia de alma para alma.


Ontem tive problemas com a internet. Não consegui atualiza-lá, quis atirar meu computador pela janela ou fazer uma fogueira :} Por sorte ou azar. Salvei algo de ontem. Estou "vazia de fontes criativas" agora. Amanhã quem sabe outro nascer, outro dia.



Pensei em palavras para uma oratória que deixasse sem contrargumento algum, sem possibilidades para réplica e treplica. Mas tudo que eu queria era despejar todas as palavras acres, sem parar para respirar. Simplesmente confessar-me. Fugir do ócio premeditado de todos os dias, as mesmas sistemáticas. E nessas e outras, a verdade é que estou cansada dessa vida fodida a qual me azeda, onde nas primeiras chances, tenho esperanças (alucinações) cuja veridicidade duvido. Tudo igual, tudo denovo.
Formas anacrônicas permanecem, ficam apenas algumas tentativas. O meu consolo é que minhas alucinações geram-me coragem, desta forma consigo seguir adiante. Afinal: o pior castigo seria permanecer, perdendo, então, certamente, a esperança que me mantém de pé. E a loucura que faz tudo isso parecer mais complicado, mais estranho, menos calado, mais real :D




Trilha de hoje: Será - Legião Urbana!


Tire suas mãos de mim,

Eu não pertenço a você,

Não é me dominando assim,

Que você vai me entender

Eu posso estar sozinho,

Mas eu sei muito bem aonde estou,

Você pode até duvidar

Acho que isso não é amor

Será só imaginação?

Será que nada vai acontecer?

Será que é tudo isso em vão?

Será que vamos conseguir vencer?

quarta-feira, 19 de agosto de 2009



Enquanto pensava em todos os acontecimentos, meus pensamentos bons travavam guerra com a minha podridão particular, todas as ideologias, dores e alegrias. Tudo isso emoldurado por um céu azul brigadeiro, eu conseguia ouvir os bombardeios, os corpos dilacerados. Vontade simples de virar-me do avesso, encontrar a parte (ou melhor aquela coisa, pois parte, para mim, é um osso, uma carne - estas, tenho de sobra), embalada pela música. Soldados de primeira linha não ouvem música, penso, mas enxergam sua casa, sua mulher, seus pais e filhos; a glória do retorno, a medalha de ouro, a homenagem e promoção por serviços prestados,afim de superar seus temores, seus olhos cegos por explosões, seus corações machucados e corpo desesperado (remendado pelas putas e fotos em sépia). Resta, simplesmente, aquilo que vem de dentro, a ilusão, esperanças e o fuzil na mão. Atirando balas, como atirei meus demônios e frustrações pela janela, ricotiaram ao vento, morreram atingidos nos peitos. Mais um tiro, um passo. Uma mina. E a tão sonhada liberdade. Liberdade? Quem não é escravo de si próprio?

Nessas de ser “diferente”, ter ideias fantásticas e fazer todo mundo babar pela minha escrita, acabei me fudendo. Errei todas as colocações, regências, ortografias, nexos e afins. Por eliminação das alternativas acima, restou-me o desastre, algumas reflexões e a vontade de pular da primeira ponte que eu visse, em Viamão.
Estava diante da minha falta de talento, desejei então (com todas as partes –mortas ou vivas- de meu corpo) transformar-me em um poeta ultra-romântico o qual enche a cara de absinto e escreve versos bonitos, com Bethania tocando “Fera Ferida” ao fundo, óbvio.
Após a crise de “piti”, não consegui escrever mais nada. Deixei Sócrates revirando-se no túmulo (em paz).
Por enquanto encho meus copos com água, começo o segundo semestre. Nada de mais, nada de menos. Faltam apenas 4 meses. É tempo de entrincheirar-se nos livros, fazer exercícios medonhos, dormir pouco, porque nada cai do céu, só a precipitação.


14h:40min, estou atrasada e vendo uma pontinha de sol da janela. Tô indo, já fui.

domingo, 16 de agosto de 2009


Hoje tive um vislumbre de um mundo novo, com outros jeitos e esperanças. As cores do entardecer mais vivas, mais reais e dias menos mortos. Outros amanheceres, pensamentos, insanidades, inconstâncias e chances. Tudo isso enquanto o vento batia no rosto. E num gesto, levanto as mãos para cima para, simplesmente, tentar alcançar o céu e sentir, na carne, as nuvens de algodão.
De repente distraio-me. Mochila nas costas, vento quente, ônibus lotado, uma trilha sonora imaginária guiando a jornada. Desço. Chego à realidade, entretanto suspiro (a fantasia chegou ao seu final temporário). Estou ciente diante disso tudo (em todas as suas vertentes, anexos, etc): mais do que promessas, expressões são necessárias, a fim de transformar a fantasia em realidade, superar os vícios. Porque o real, ao contrário do mundo de sonhos, não necessita apenas do pensamento. Ele pede por algo além, um levantar e puxar de mãos, gotas de suor e lágrimas, alguns caminhos solitários, todos os pensamentos sendo utilizados pelo cérebro (gerando impulsos nervosos), para transformar na carne, ou seja, em vida, os desejos da alma.
"- Traga fundo. E solta a fumaça quase sem respirar. - Foi então que vi aquelas ameixas e achei tão bonitas e tão vermelhas que pedi um quilo e era minha última grana certo porque meus pais não me dão nada e daí eu pensei assim se comprar essas ameixas agora vou ter que voltar a pé para casa mas que importa volto a pé mesmo pode ser até que acorde um pouco e aquela coisa lá longe volte pra perto de mim e então eu vinha caminhando devagarinho as ameixas eu não conseguia parar de comer sabe já tinha comido acho que umas seis estava toda melada quando dobrei a esquina aqui da rua e ia saindo um caixão de defunto do sobrado amarelo na esquina certo acho que era um caixão cheio quer dizer com defunto dentro porque ia saindo e não entrando certo e foi bem na hora que eu dobrei não deu tempo de parar nem de desviar daí então eu tropecei no caixão e as ameixas todas caíram assim paf! na calçada e foi aí que eu reparei naquelas pessoas todas de preto e óculos escuros e lenços no nariz e uma porrada de coroas de flores devia ser um defunto muito rico certo e aquele carro fúnebre ali parado e só aí eu entendi que era um velório. Quer dizer, um enterro. O velório é antes, certo?
- É - confirmo. - O velório é antes.
- Ficou todo mundo parado, me olhando. Eu me abaixei e comecei a catar as ameixas na sarjeta. Eu não estava me importando que fosse um enterro e que tudo tivesse parado só por minha causa, certo? Apanhei uma por uma. Só depois que tinha guardado todas de volta no pacote é que as coisas começaram a se mexer de novo. Eu continuei vindo para cá, as pessoas continuaram carregando o caixão para o carro fúnebre. Mas primeiro ficou assim um minuto tudo parado, como uma fotografia, como quando você congela a cena no vídeo. Eu juntando as ameixas e aquelas pessoas todas ali paradas me olhando. Você está prestando atenção? Aquelas pessoas todas paradas me olhando e eu ali juntando as ameixas."

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Não se pode simplesmente abandonar aquilo que passou, como aquele resto de maçã podre. Fica um espaço vazio que nas noites e dias de chuva vai tragar-te para dentro. Lembranças vivas as quais pode se tocar com os dedos, vão além das fotos em sépia. Ficam guardadas na caixa. Os cheiros de cola, bolo de chocolate, maçã, perfumes, sonhos e sabão. Não era como deveria, mas pode ter sido até demais. Resta a ausência e algo que murmura querendo gritar, gritar gritar no súbito desejo de voltar . No entanto silencia nos movimentos progressivos da vida, esta na qual não para para perguntar: sentirás dor? Dormirás com sorrisos estampados no rosto? Simplesmente chega, vai, volta no mais tardar com outras caras e bocas. Não se repete.
Nessas idas e vindas ficam os lenços, um coração envenenado pelas circunstâncias (boas ou más), cicatrizes, algumas medalhas, as fotos e mais alguma coisa. O resto vai embora, é guardado, banhado a naftalina e permanece ali, vivo. Lembranças, ausências e saudades jamais dizem adeus. Apenas se escondem na alta velocidade dos acontecimentos, por muito se transformando em um filme de reprise real. Uma segunda pele invisível em meio ao tumulto.

Fecha-se os olhos. Volta-se. Mata-se, então, aquilo que quer gritar, mata-se a saudade, a ausência nem que seja na fantasia, no sonho íntimo. Chora-se. Quem sabe as lágrimas lavem e escorram no rosto trazendo o conforto e luzes as quais afugentem os fantasmas. Mas vive-os na flor da pele, pois estão sempre ali, já tornaram-se um pedaço do coração.Afim de encarar as novas feridas no dia que vai nascendo, respirando o novo cheiro da manhã - ainda virgem dos cheiros antigos. Libertando-se diante das novas esperanças. Tocando e reconhecendo a nova pele sobreposta a de ontem, enfim visível no silêncio do vazio próprio - a parte morta-viva: aquilo que foi, aquilo que é.
"O céu está no chão, não cai do alto, é claro, é escuridão"

sábado, 8 de agosto de 2009


Exorcizei-me. Tirei as teias de aranha e os mofados da parede do teleencéfalo (desconheço a forma ortográfica correta, essa nova regra ainda não me é totalmente familiar) e estudei (aleluiaamémSenhor).


Nessa tarde chuvosa, três considerações:


  • Ao tentar visitar o shopping Iguatemi e o Carrefur, ficar lá mais de 10 minutos parecia impossível fazer qualquer tipo de compras ou tomar um cafezinho. A aglomeração de pessoas era enorme, filas por todos os lados e a impossibilidade de caminhar sem ser empurrado pela massa. Até aí, nada mais normal em um sábado chuvoso. No entanto isso pareceu-me incoerente, falta de consciência (sim! De minha parte também), afinal milhares estão morrendo por causa da gripe A. E, também, porque isso torna a medida de recesso prolongado nas instituições escolares uma medida inútil, já que as chances de propagação da doença nestes locais são infimas também, lá nem 1000l de álcool gel resolveriam. Mais um "parenteses" não tinha alma viva com máscara cirurgica. AHAHAHA! VAMOS TODOS PEGAR E DEPOIS CORRER PARA COMPRAR TAMIFLU DOS CAMELÔS! TER AULA DOMINGO E SÁBADO PARA RECUPERAR A MATÉRIA DO PRÉ-VESTIBULAR!

  • Física é uma merda! Todos aqueles gráficos, continhas e contões. Situações problema. Vontade de queimar tudo, rasgar em mil pedaçinhos, arrancar os cabelos. Mas é necessário ter fé que um dia você vai entender os porquês! E todas aquelas coisas as parecem terem sido escritas em aramaico. Lembrando sempre que: a tendência é o equilíbrio térmico(Jackie e Rose no filme Titanic); tudo que sobe desce (óbvio); o sentido do campo elétrico não depende da carga de prova; g=10m/s2. E o caralho mais. Alguém a de convir comigo que fazer chover é muito mais fácil.

  • Adoro pintores impressionistas e não vale gastar seu dinheiro vendo o filme do Harry Potter. Veja o menino do pijama listrado ou madagascar 2, muito engraçado.


Dois avisos: Sandra, estou enviando-te algumas aulas que eu tenho gravadas. Segunda, a caixa do ROC está em tempo de passar para a próxima pessoa. Já usufrui dela o bastante.


Deixo a noite com um conto do C.F:

OS SOBREVIVENTES


Sri Lanka, quem sabe? ela me pergunta, morena e ferina, e eu respondo por que não? mas inabalável ela continua: você pode pelo menos mandar cartões-postais de lá, para que as pessoas pensem nossa, como é que ele foi parar em Sri Lanka, que cara louco esse, hein, e morram de saudade, não é isso que te importa? Uma certa saudade, e você em Sri Lanka, bancando o Rimbaud, que nem foi tão longe, para que todos lamentem ai como ele era bonzinho e nós não lhe demos a dose suficiente de atenção para que ficasse aqui entre nós, palmeiras & abacaxis. Sem parar, abana-se com a capa do disco de Ângela enquanto fuma sem parar e bebe sem parar sua vodca nacional sem gelo nem limão. Quanto a mim, a voz tão rouca, fico por aqui mesmo comparecendo a atos públicos, pichando muros contra usinas nucleares, em plena ressaca, um dia de monja, um dia de puta, um dia de Joplin, um dia de Teresa de Calcutá, um dia de merda enquanto seguro aquele maldito emprego de oito horas diárias para poder pagar essa poltrona de couro autêntico onde neste exato momento vossa reverendíssima assenta sua preciosa bunda e essa exótica mesinha-de-centro em junco indiano que apóia nossos fatigados pés descalços ao fim de mais outra semana de batalhas inúteis, fantasias escapistas, maus orgasmos e crediários atrasados. Mas tentamos tudo, eu digo, e ela diz que sim, claaaaaaaro, tentamos tudo, inclusive trept, porque tantos livros emprestados, tantos filmes vistos juntos, tantos pontos de vista sociopolíticos existenciais e bababá em comum só podiam era dar mesmo nisso: cama. Realmente tentamos, mas foi uma bosta Que foi que aconteceu, que foi meu deus que aconteceu, eu pensava depois acendendo um cigarro no outro e não queria lembrar, mas não me saía da cabeça o teu pau murcho e os bicos dos meus seios que nem sequer ficaram duros, pela primeira vez na vida, você disse, e eu acreditei, pela primeira vez na vida, eu disse, e não sei se você acreditou. Eu quero dizer que sim, que acreditei, mas ela não pára, tanto tesão mental espiritual moral existencial e nenhum físico, eu não queria aceitar que fosse isso: éramos diferentes, éramos melhores, éramos superiores, éramos escolhidos, éramos mais, éramos vagamente sagrados, mas no final das contas os bicos dos meus peitos não endureceram e o teu pau não levantou. Cultura demais mata o corpo da gente, cara, filmes demais, livros demais, palavras demais, só consegui te possuir me masturbando, tinha biblioteca de Alexandria separando nossos corpos, eu enfiava fundo o dedo na boceta noite após noite e pedia mete fundo, coração, explode junto comigo, me fode, depois virava de bruços e chorava no travesseiro, naquele tempo ainda tinha culpa nojo vergonha, mas agora tudo bem, o Relatório Hite liberou a punheta. Não que fosse amor de menos, você dizia depois, ao contrário, era amor demais, você acreditava mesmo nisso? naquele bar infecto onde costumávamos afogar nossas impotências em baldes de lirismo juvenil, imbecil, e eu disse não, meu bem, o que acontece é que como bons-intelectuais-pequeno-burgueses o teu negócio é homem e o meu é mulher, podíamos até formar um casal incrível, tipo aquela amante de Virginia Woolf, como era mesmo o nome da fanchona? Vita, isso, Vita Sackville-West e o veado do marido dela, ra não se erice, queridinho, não tenho nada contra veados não, me passa a vodca, o quê? e eu lá tenho grana para comprar wyborowas? não, não tenho nada contra lésbicas, não tenho nada contra decadentes em geral não tenho nada contra qualquer coisa que soe a uma tentativa. Eu peço um cigarro e ela me atira o maço na cara como quem joga um tijolo, ando angustiada demais, meu amigo, palavrinha antiga essa, a velha angst, saco, mas ando, ando, mais de duas décadas de convívio cotidiano, tenho uma coisa apertada aqui no meu peito, um sufoco, uma sede, um peso, ah não me venha com essas histórias de atraiçoamos-todos-os-nossos-ideais, eu nunca tive porra de ideal nenhum, eu só queria era salvar a minha, veja só que coisa mais individualista elitista capitalista, eu só queria era ser feliz, cara, gorda, burra, alienada e completamente feliz. Podia ter dado certo entre a gente, ou não, eu nem sei o que é dar certo, mas naquele tempo você ainda não tinha se decidido a dar o rabo nem eu a lamber boceta, ai que gracinha nossos livrinhos de Marx, depois Marcuse, depois Reich, depois Castafieda, depois Laing embaixo do braço, aqueles sonhos tolos colonizados nas cabecinhas idiotas, bolsas na Sorbonne, chás com Simone e Jean-Paul nos 50 em Paris, 60 em Londres ouvindo here comes the sun here comes the sun little darling, 70 em Nova York dançando disco-music no Studio 54,80 a gente aqui mastigando esta coisa porca sem conseguir engolir nem cuspir fora nem esquecer esse azedo na boca. Já li tudo, cara, já tentei macrobiótica psicanálise drogas acupuntura suicídio ioga dança natação cooper astrologia patins marxismo candomblé boate gay ecologia, sobrou só esse nó no peito, agora faço o quê? não é plágio do Pessoa não, mas em cada canto do meu quarto tenho uma imagem de Buda, uma de mãe Oxum, outra de Jesusinho, um pôster de Freud, às vezes acendo vela, faço reza, queimo incenso, tomo banho de arruda, jogo sal grosso nos cantos, não te peço solução nenhuma, você vai curtir os seus nativos em Sri Lanka depois me manda um cartão-postal contando qualquer coisa como ontem à noite, na beira do rio, deve haver uma porra de rio por lá, um rio lodoso, cheio de juncos sombrios, mas ontem na beira do rio, sem planejar nada, de repente, sabe, por acaso, encontrei um rapaz de tez azeitonada e olhos oblíquos que. Hein? claro que deve haver alguma espécie de dignidade nisso tudo, a questão é onde, não nesta cidade escura, não neste planeta podre e pobre, dentro de mim? ora não me venhas com autoconhecimentos-redentores, já sei tudo de mim, tomei mais de cinqüenta ácidos, fiz seis anos de análise, já pirei de cl ín k., lembra? você me levava maçãs argentinas e fotonovelas italianas, Rossana Galli, Franco Andrei, Michela Roc, Sandro Moretti, eu te olhava entupida de mandrix e babava soluçando perdi minha alegria, anoiteci, roubaram minha esperança, enquanto você, solidário & positivo, apertava meu ombro com sua mão apesar de tudo viril repetindo reage, companheira, reage, a causa precisa dessa tua cabecinha privilegiada, teu potencial criativo, tua lucidez libertária e bababá bababá. As pessoas se transformavam em cadáveres decompostos à minha frente, minha pele era triste e suja, as noites não terminavam nunca, ninguém me tocava, mas eu reagi, despirei, voltei a isso que dizem que é o normal, e cadê a causa, meu, cadê a luta, cadê o po-ten-ci-al criativo? Mato, não mato, atordôo minha sede com sapatinhas do Ferro’s Bar ou encho a cara sozinha aos sábados esperando o telefone tocar, e nunca toca, neste apartamento que pago com o suor do po-ten-ci-al criativo da bunda que dou oito horas diárias para aquela multinacional fodida. Mas, eu quero dizer, e ela me corta mansa, claro que você não tem culpa, coração, caímos exatamente na mesma ratoeira, a única diferença é que você pensa que pode escapar, e eu quero chafurdar na dor deste ferro enfiado fundo na minha garganta seca que só umedece com vodca, me passa o cigarro, não, não estou desesperada, não mais do que sempre estive, nothing special, baby, não estou louca nem bêbada, estou é lúcida pra caralho e sei claramente que não tenho nenhuma saída, ah não se preocupe, meu bem, depois que você sair tomo banho frio, leite quente com mel de eucalipto, gin-seng e lexotan, depois deito, depois durmo, depois acordo e passo uma semana a banchá e arroz integral, absolutamente santa, absolutamente pura, absolutamente limpa, depois tomo outro porre, cheiro cinco gramas, bato o carro numa esquina ou ligo para o cvv às quatro da madrugada e alugo a cabeça dum panaca qualquer choramingando coisas tipo preciso-tanto-uma-razão-para-viver-e-sei-que-essa-razão-só-está-dentro-de-mim-bababá-bababá e me lamurio até o sol pintar atrás daqueles edifícios sinistros, mas não se preocupe, não vou tomar nenhuma medida drástica, a não ser continuar, tem coisa mais autodestrutiva do que insistir sem fé nenhuma? Ah, passa devagar a tua mão na minha cabeça, toca meu coração com teus dedos frios, eu tive tanto amor um dia, ela pára e pede, preciso tanto tanto tanto, cara, eles não me permitiram ser a coisa boa que eu era, eu então estendo o braço e ela fica subitamente pequenina apertada contra meu peito, perguntando se está mesmo muito feia e meio puta e velha demais e completamente bêbada, eu não tinha estas marcas em volta dos olhos, eu não tinha estes vincos em torno da boca, eu não tinha este jeito de sapatão cansado, e eu repito que não, que nada, que ela está linda assim, desgrenhada e viva, ela pede que eu coloque uma música e escolho ao acaso o Noturno número dois em mi bemol de Chopin, eu quero deixá-la assim, dormindo no escuro sobre este sofá amarelo, ao lado das papoulas quase murchas, embalada pelo piano remoto como uma canção de ninar, mas ela se contrai violenta e pede que eu ponha Ângela outra vez, e eu viro o disco, amor meu grande amor, caminhamos tontos até o banheiro onde sustento sua cabeça para que vomite, e sem querer vomito junto, ao mesmo tempo, os dois abraçados, fragmentos azedos sobre as línguas misturadas, mas ela puxa a descarga e vai me empurrando para a sala, para a porta, pedindo que me vá, e me expulsa para o corredor repetindo não se esqueça então de me mandar aquele cartão de Sri Lanka, aquele rio lodoso, aquela tez azeitonada, que aconteça alguma coisa bem bonita com você, ela diz, te desejo uma fé enorme, em qualquer coisa, não importa o quê, como aquela fé que a gente teve um dia, me deseja também uma coisa bem bonita, uma coisa qualquer maravilhosa, que me faça acreditar em tudo de novo, que nos faça acreditar em tudo outra vez, que leve para longe da minha boca este gosto podre de fracasso, este travo de derrota sem nobreza, não tem jeito, companheiro, nos perdemos no meio da estrada e nunca tivemos mapa algum, ninguém dá mais carona e a noite já vem chegando. A chave gira na porta. Preciso me apoiar contra a parede para não cair. Por trás da madeira, misturada ao piano e à voz rouca de Ângela, nem que eu rastejasse até o Leblon, consigo ouvi-la repetindo e repetindo que tudo vai bem, tudo continua bem, tudo muito bem, tudo bem. Axé, axé, axé! eu digo e insisto até que o elevador chegue axé, axé, axé, odara.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Um pitaco da madrugada :D
Hoje eu tive um sonho, havia tempos eu não me lembrava de um sonho. Dormia sempre "como pedra", depois acordava para mais um dia. Contudo, hoje, foi diferente.
Vi os rostos com exatidão, até mesmo o da sua mãe. Ela havia emagrecido, estava sorridente. Tu ali sentada olhava o relógio de pulso, esperando o momento de entrar na sala. Ri baixinho, falando comigo mesma, coisas as quais só minha memória podia ouvir. Achei coincidência encontrarmo-nos naquele lugar, no mesmo curso. Tinha certeza, quando te via de longe tomaria um caminho oposto ao meu. Não tão perto, quase parecido.
Enxergou-me e sorriu. Por algum motivo que não sei (por todas as memórias, a boa educação que tua mãe deu-te, aparentar ser a fortaleza blindada pelos muros do orgulho, honestamente, ainda não sei). Sentei-me ao lado, fiz meu interrogatório. Não suportei meus nervos e disse:
- Acaso do destino, não?
Riu, a mesma risada de cinco anos atrás. Era ótima, nostalgica.
Olhei com olhos das experiências posteriores a partida, sei que ela também olhou. Era tarde demais para a segunda, terceira, quarta chance? Não importava-me mais com este fato do passado cicatrizado aberto. Eu, simplesmente, desejava conversar. Perguntar sobre os acasos, ver se ainda tínhamos algumas bandas de música em comum, se estava ali aquilo que tanto esperei reencontrar. Tudo isso e mais mais mais. Mas, o sinal da aula tocou.
Num movimento pegou os materiais, foi ouvir as teorias e práticas. Olhou-me, entretanto piscou mais devagar que de costume. O castanho ainda estava lá, todas as bandas de maçãs também. Guardados fundos, só eu via. Porque a canção da ruazinha ainda estava em mim e tudo mais mais mais mais.


Não sabia quem era Rimbaud. Sim, sou um ser ignorante. Você sabe? Foi um poeta simbolista (um movimento literário, também conhecido como neoromantismo) francês. E, por enquanto, isso basta.

Milhares de coisas ao mesmo tempo. Uma música. Um chá gelado na companhia dos patos, Madonna toca baixo. E eu esqueci aquilo que escreveria, fugiu-me. Má sorte.

Certa vez eu afirmei que vestibulandos não tiram férias. Inicialmente tinha certeza e a pura convicção disso, provei o contrário. Todos os meus planos de estudos foram por água baixo, só leio, escrevo e desenho – aquilo que quero, quando quero. Eu que prometi revoluções de posturas e foco nos objetivos mais grandiosos, observo com dúvida. E nesta fresta deixada por ela, entra ventos de estremecer e fazer tudo virar aos pedaços. Não desejo adotar a filosofia do “daqui não saio, daqui ninguém me tira”.

É tudo óbvio, puro ócio. A diferença resume-se (isso é possível?) em fazer o necessário, dedicar-se, tentar, mover as montanhas (hoje não pela culpa, mas pela ânsia de perseguir os sonhos).

Por enquanto deixo um desenho, minha tentativa de fazer as montanhas ficaram coloridas. O bobo ri e faz piada de tudo, mas em sua consciência mostra outra essência, somos todos assim. Na idade média se ele não agradace os rei e rainhas, morria na gilhotina. E eu, meu caro, não desejo morrer na gilhotina.

O dia está nublado, mas espero que a noite seja clara.