quinta-feira, 22 de julho de 2010

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Escrevo aqui e agora, sem os rascunhos em folhas de papel que costumo fazer, porque hoje já não é mais mês de Maio, é final de Junho e, eu ainda tenho entalado na garganta muito. Muito de tudo, muito de mim, muito de ti, muito de nada que, como planta ácida carnívora: me corroí, me devora, me destrói aos poucos, até o meu avesso chega a sentir, mesmo diante do entorpecente. Muito da alegria, cordas vocais roucas de tanto  berrar canções quaisquer, muito de amizade, ainda sim, continuo efervescendo, corroída. Embora não seja dessa vez que me consumo por inteiro, virar cinzas e voar ao sabor do vento. Eu não me permito. Nessa carnificina, posso sair inteira, embora maçada, sem voz e uma consciência desnorteada pelas palavras gritadas aos ventos, aos avessos, aos passados, aos fantasmas dos meus presentes imaginários e alucinações dos sentimentos criados por serem mais intensos. Eu só queria não ter que olhar no espelho todo o dia, então dar de cara com toda a mesquinharia, sabotagens instantâneas, sorrisos amarelos e disfarces de quem, faz muitos tempos, se perdeu no meio do caminho do avesso que não é mais o seu, nem bate no próprio céu. De me pegar engolindo qualquer coisa rápida, sem mastigar, ir dormir pedindo um sono sem sonhos, tendo medo do ridículo, contentando com o óbvio e coisas iguais. Não posso. Nem quero, mas isso, acredite, foi mais instintivo do que qualquer coisa, como nadar no mar - sem cuidado, num acidente de azar ou na revolta dele: as ondas tragam-te para dentro da ressaca, o olho fica cheio de maresia, enquanto o sal resseca o resto, tudo menos os olhos cheios de maresia, neblina densa, aparentemente, ela predestina um temporal de qualquer cor ou nome, arrasador, fodido e, eu continuava me afogando em água e maresia. Tudo isso até passar o temporal. Então, veio o mar remexido, cor de chocolate quente e o céu de brigadeiro, me dei conta: nesse mar revoltoso, tudo era contrário. Chocolate e brigadeiro, para mim, sempre foram doces. Eles viram azedos na  língua. E eu queria mar e céu azul tolamente, afinal o boicote é fácil. descobrir esses tons terrosos de marrom, em meio aos pretos,brancos e azulados, modificaram todas as percepções de feio e belo, bom e ruim: é só ver diante de qualquer espelho ou água fria que me permitisse sentir minhas duas pernas, meus olhos, meus braços, meu cérebro intacto e todos os meus dedos, minha vida sete palmos acima e não abaixo da terra. Permito-me nadar contra a maré, jamais ser puxada para dentro e lá ficar, afogada no fundo do mar particular. Dos resultados disso: um respirar forte, ofegante, barulhento. Intenso.
Que minha própria planta carnívora dê fim a esse resto, com tudo mais que eu não quero. Mas que deixe esse amargo guardado na intensidade com que nado contra essa maré própria, porque não posso, nem por muito nem pouco, esquecer disso: desses olhos cheios de maresia, apatias de azul autosabótico corroído, que não é mais Maio, é final de Junho, dia 28, é hoje, posso não ser mais inteira nem se me verem pelos lados contrários, contudo sou tom de terra - sempre -  em meio ao mar, qualquer mar. Até mesmo o meu mar. E nesse oceano, eu não me permito mais afundar.

domingo, 20 de junho de 2010

sábado, 8 de maio de 2010

Prefácio

- Para Maíra 

Não foi Capitu, Kiefer, Caio, Clarice ou Diadorim, muito menos Eva. é o que é, ou fora, o  que viria a ser, aquilo que queria. Mas, como qualquer mortal de sangue quente, trazia de arrasto e vontades próprias: os sete pecados, seus gênesis, êxodos e apocalipses, sem contar a mordida de maçã que não lhe fora nem fantasia, viera de herança. Tudo isso em seu marco zero, por toda a vida, não impediram que seguisse, pelo dilúvio, chuvisco ou deserto, tanto fazia, pois enquanto os dados ainda rolarem, não há derrotado.
Se fosse fácil,a intensidade estaria perdida. A realidade crua e nua exige isso e não só o perfeito – na escuridão todos os gatos são pardos – cedo ou tarde, as máscaras fazem barulho, quando caem. Simples é mostrar todos os dentes como um sorriso torto, afinal  basta concentrar os músculos da face. O difícil são olhos, não a serpente. A antiga casca oca se partiu tantas vezes, deixando cacos pelo caminho. Eles cortaram (contudo  foram sendo levados, aos poucos, pelas lágrimas, derrotas amargas, pelos amores, pelos pés, pelo luto dos que partiram e continuaram em vida e pelos que se foram de vez)  deixando marcas, vistas todos os dias perante um espelho qualquer, mas só para ela. Porque demonstrar fraqueza é demais, já que os dados rolam. Esqueça a maçã, esta também se perdeu, seu peso é leve, diante de tudo que veio, tudo que vai.
Enquanto o vento bate no rosto, esvoaçando seus cabelos negros, a maquiagem dela cobre as olheiras, um sorriso de escárnio macula o rosto sereno, uma trilha sonora  imaginária cria-se, enquanto recita um trecho de um poema para si mesma: Não tirei bilhete para a vida, errei a porta do sentimento, não houve vontade ou ocasião que eu não perdesse. Hoje não me resta, em vésperas de viagem, com a mala aberta esperando a arrumação adiada, sentado na cadeira em companhia com as camisas que não cabem, hoje não me resta (à parte o incômodo de estar assim sentado) senão saber isto: Grandes são os desertos, e tudo é deserto”, continua nua, crua, verdadeira em um mistério íntimo, no meio do contraste. Ela, Maíra: Muito mais do que aparenta e um dia pensou em ser.

  

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Estava fugindo. Confesso. Mas, ainda que tenha tempo sobrando e eu não culpe a falta de  'inspiração',  não  conseguia  fazer  algo do meu agrado, é assim, ao menos comigo, em quase todos os jeitos : desenho, trabalho, limpeza, aparência, prosas, etc. Neurótica, sim, é isso que sou. Isso reflete, refrata, metamorfiza, dramatiza e, obviamente, poetiza-me um pouco.
Desabafos a parte, estou sem chimarrão. A erva tristemente acabou em um final de tarde frio,  porém tenho uma garrafinha de água, um pedaço de maçã mordida. Ao menos um desenho teve seu fim (acima) e terminei de ler a Menina que não sabia Ler, de John Harding. Ótimo até a página 150, depois foi decaindo, por fim, acabando em um final cuja surpresa poderia ter sido maior. A menina transita entre o real e imaginário, loucura e sanidade, amor e obssessão, mas deixou a desejar, transformando um grande possível final em uma bobice razoável. Não era fantasma, era loucura mesmo, algo a la  Macbeth e, ela foi de irmã protetora a psicopata capaz de tudo - o autor pouco explorando essa transformação, a fim de manter o clima de suspense, algo como um filme de terror de seção da tarde.Mesmo assim: recomendo. Bom, esse fim de semana minha cunhada trará-me a saga do Crepúsculo. O que me aguarda? Estou louca  mesmo é para ler o novo livro da Isabel Allende: La isla bajo el mar, sem tradução ainda, que conta a história de Zarité, uma mulata que aos 9 anos foi vendida como escrava para o francês Vamorain, dono de uma das mais importantes plantações de açúcar da ilha de Santo Domingo. O romance conta 40 anos da vida de Zarité e mostra o que representou a exploração de escravos na ilha no século 18, suas condições de vida e como foi a luta pela liberdade.
Alice  estreiou, estou louca varida para ver em 3D, apesar das péssimas críticas lidas por mim, durante a semana, no entanto, será provavelmente fantástico e colorido (como eu gosto - a princípio). Até lá, nada digo.

- (texto sem título) - 

Desceu do carro antigo, as grandes avenidas (paralelas) eram atravessadas por outras menores, formando espaços para um pouco de tudo, deixando um aspecto de Jogo da Velha vivo sem "xizes", nem "bolinhas". Numa esquina, perto da parada que a levaria para casa, havia uma padaria simpática. O dia era claro e quente, porém, na manhã de outono, usava jaqueta e um lenço amarrado no pescoço, afinal a noite virada e o café com leite tomado as pressas às 7h da manhã, não foram o suficiente para tirar os incomodos do corpo, contudo  que sabia ter esquecido de como era possuir incomodos onde a carne não chega, só sofre consequências dos sentires inesplicáveis, imagináveis para quem não os sabe. Nem tudo podia ser como queria, mas, ao menos, que fosse bom, com um toque adocicado, até aí as revelações eram nulas . Então resolveu pedir um sonho, antes, como qualquer pessoa que tem o dinheiro contado, perguntou quanto era. Por R$:1,40 podia comer um sonho de mumu ou de creme.  Escolheu ambos (o de creme levaria para casa, comeria-o depois, na calamaria, quem sabe transformario-o em um agrado a quem entendesse).
Por fim, o sonho virou pesadelo. Era quase oco, uma massa doce, sem recheio algum. Todas esperanças depositadas, ruíram na primeira mordida, quando não se viu só cara, mas, sim, coração. Importou-se apenas no início, depois o envolveu em papel de padaria. Decidiria depois o destino do sonho oco. No relógio da parede: 8h. Os olhos piscavam devagar. A distância até a parada: um atravessar correndo de rua. Foi-se, respirou os ares poluídos de uma Segunda - Feira que nada prometia, foi sugada até o último, por risadas, mentolados não tragados, socializações não forçadas (claramente bem sucedidas), sendo chamada de louca, por uma minoria de um, era apenas a sua neurose. Inspirou, expirou, sentindo-se viva. Aproveitando um sinal vermelho, sem deixar de reparar as luzes verdes, as quais agora via, quando encostada num poste, via a cidade acordar, outros saírem para labutar, rodar alguma bolsa, passear. Ela, simplesmente, iria para casa. 
Na parada, o fluxo trazia todos os tipos de ônibus (de ida, quanto de volta) e pessoas. Viu as diferenças costumeiras entre um ser e outro, comprovando através do chão o quanto a "porquice" era grande e o número de fumantes também, por consequência: as espumas flutuantes de fumaça. Coisas que só ela dava bola, mas retornos e percepções de forma igual são meras ilusões. A diferença a colocaria em uma posição favorável ou não, assim como as questões dos incomodos corporais, só que essa jamais haveria de passar, ao contrário: agravaria-se, pois jamais conseguria viver só e achar alguém igual seria aceitar a derrota de que não entendia a verdade: nunca seria completa na igualdade e que criar outro contexto oco perfeito não a satisfaria por muito tempo, logo a cansaria.
O letreiro brilhante não mentia. Um aceno de dedos, logo depois arrumou o lenço. Sonolenta, derretendo, porque o calor começava a derrete-la. Salva no acento estofado forrado com courino, ouvia "Come Together" e qualquer música  mentalmente, como sempre fazia, ajudava a passar o tempo, enquanto as nuvens corriam depressa pelos quilometros da locomotiva de rodas. Quando chegou ao seu destino, elas tomaram sua velocidade normal, devagares, tal qual seus passos.

Tinha pressa, portanto ia desviando de tudo, já sabia o caminho de olhos fechados. Sabia? Não. Naquele dia, isso não foi o bastante. Caiu. Sujando as calças de terra seca, ralando as mãos. Sentou na terra, envergonhada até o pescoço pelo tombo. Um qualquer de bicicleta diminuiu sua velocidade e, na melhor das hipóteses, foi uma alma boa que desejava ver se ela precisava de ajuda. Levantou-se rápido, ao vislumbrar a bondade aparente do ciclista. Levantaria-se com suas próprias pernas e mãos cortadas, sem outros incômodos invisíveis ao corpo. - pensou. Nada mais do que outra sina dos orgulhosos.
Quase correu até chegar ao seu portão. Entrou. Afagou seus cachorros. Disse bom dia. Beliscou uma banana. Deu de agrado os sonhos e sorrisos. Confessou algumas aventuras de um tombo lindo. Sentiu-se viva, completa na autossuficiência. Tinha tudo que precisava ali, menos creme para sonhos. E, no seu cansaço atrofiado, sentou na beira de um degrau de porta, olhando o céu do chão (jamais cairia), sem fome, machucada superficialmente, em uma posição favorável, trazida por conhecimentos incompletos de uns rumos quase certos ou óbvios.  Por enquanto, a única coisa que podia dizer: precisava ser livre.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Um só pneu

Alguma substância, que me fazia ficar de olhos abertos, por alguns segundos teve seu efeito questionado, na noite fria de nuvens sujas, provavelmente em alguma Terça - Feira do mês de Agosto. Eu observava dentro do carro, prestando atenção nas luzes tangerina dos postes, enquanto bocejava e jogava no vidro embasado Jogo da Velha, deixando de ser invicta pelas mãos do meu maior adversário. Passei o dedo indicador, disposta a apagar tudo, tornando visível o lugar por onde eu passava.
Naquela Avenida onde só o invisível caminha e, o carro trafega, eu enxerguei, com direito a luz do poste em foco, um homem escorado em uma roda de bicicleta. Não. Não era um quadro de Duchamp humanizado. Ele olhava o nada, na maior das imaginações, quem sabe, algumas sombras dançantes. Não. Não era Dom Quixote vendo moinhos de ventos sombrios. Não. Não era a morte, nem a vida esperando-me na linha reta do asfalto, anjo ou demônio. Era homem e, esse fato, perturbou-me.
Um arrepio passou pela espinha, coluna dorsal, lombar, vértebras, carnes e nervos (tudo junto ao mesmo tempo), ele arregalou meus olhos (contraindo as pupilas) , logo desaparecendo, assim como o moço do pneu. Alguns minutos. Suspiro, lacrimejo e, pelos fins inevitáveis, começo a descer o poço, com paredes limadas, das possibilidades . Comento como a noite está fria, nenhuma alma viva em qualquer lugar (o de sempre). Preencho com saliva e palavras aquele recinto andante onde o silêncio agonia-me, até por os pés na laje da minha casa, indo cada vez mais fundo no poço das pedras limadas. Ia abrindo portas, ultrapassando corredores, dedos nas paredes pasteis, até o ver o semblante dela.
- Mãe! Vi a situação mais bizarra da minha vida, um homem, no meio do nada, escorado num pneu de bicicleta. Do nada, sem motivo algum. Acho que ele estava esperando algum ônibus, porque “trabalho” não era, não vi vela, galinha... Nem estava drogado, tenho certeza, sem fumaça, cutucos incandescentes, nada! Só o pneu.
- Inusitado, quase absurdo. Como ele era?
- Não sei. Não reparei.
- Vai ver vai fazer um monociclo.
- Quê?
- Aquele negócio de circo.
- Para se apresentar no El Grande Circo Español?
- Nein! No Solei. – e a gargalhada atravessou a sua garganta.
A conversa encerrou-se, nem começou na realidade; tornando-se uma cena de ficção em algum lugar perdido do cérebro. A verdade: fiquei estático, demonstrando cansaço, a cara de vilão canalha de olhos caídos, que me atribuíam. Joguei a bolsa aos pés, casacos, cachecol para dar espaço a toalha de banho no corpo. Foi rápido e insuficiente, pois minhas formas não me distraíram e, só por algum tempo, a água quente preencheu o espaço. Foi-se embora no, com o sentido horário do fechar da torneira, deixando o vapor e toalhas macias (cujo poder de absorção tragou as últimas gotas). Olhei o espelho, passei as mãos por ele, desembaçando-o. Mostrei minha arcada dentária - conferindo se todos os dentes estavam lá – alisei meus cabelos e arranquei alguns (sinais de que estava ansioso). Então, por um estralo, impulso elétrico de quem se lembra de algo importante adormecido pelo tempo, sai caminhando a passos rápidos ( a fim de não dar na vista a necessidade – diferente, mas parecida e sem abstinência de quem se entorpece com químicos orgânicos) compulsiva. Até olhar os quatro cantos da garagem e focar, num canto esquecido, a velha bicicleta cor-de-cáqui invadida pelas teias de aranha (carinhosas moradas ou túmulos de artrópodes). Tudo no seu lugar, pensei. A borracha gasta, os pneus, os aros enferrujafos e o banco de espuma dura comido pelas traças, todo esse conjunto já me foi útil. Todo o conjunto, porém não só o pneu, o qual sozinho não parecia ter serventia.
Sonolento ou desiludido fui ao quarto deitar a cabeça em travesseiro baixo, vislumbrei porta-retratos nos corredores. Eles mostravam uma criança esperançosa, ainda comedora de terra e sonhadora ganhando seu primeiro mundo – o quintal – com seu mais novo brinquedo: a bicicleta, lembraram os tempos simples onde aquilo lhe bastava. Encontrei minha direção ao encontrar o lugar que me propus chegar: o quarto, quase um santuário, contudo, ao invés de deitar a cabeça no travesseiro, atire-me como um peso morto. Fiquei lá: morto, se não fosse pela respiração decrescente, olhos fechados povoados de sonhos.
“Eu Vestia amarelo e laranja fluorescentes, uma bermudinha de estampa psicodélica. Isso seria o cúmulo do cafona ridículo, YSL reviraria-se no túmulo, se não tivesse novamente cinco anos de idade, um quintal esmeralda de 4x4 (grande mundo novo, na época) e tivesse como companhia uma bicicleta cor-de-cáqui. Um dia ensolarado, em uma primavera há muito tempo perdida, só agora revivida, em mais uma cena de ventania. Caçava borboletas em um laço de descompasso, até a hora na qual isso me cansou, então peguei meu novo veículo sai no 4x4 a fora, mais um Napoleão. Até cair, como todos os grandes imperadores, num descuido de atenção. Acabei entortando o pneu, perdendo outro no choque contra o muro e chorando por ver minhas possibilidades de aventura destruídas. De consolo nada: os tijolos que sobraram deixavam visíveis as folhas secas da árvore da vizinha, já idosa e não um deleite para o olhos, muito menos uma possível rota de fuga. Até que ele veio, aquele homem, visto à poucas horas antes, vestia preto (calças, cuecas, suspensórios... tudo negro), a cara era branca de lábios vermelhos, sorriu um sorriso de animal traiçoeiro – capaz de muito, enquanto zanzava pelos ares com seu monociclo. Invejei-o, mais um pecado nos ombros, desejei apedrejá-lo, até peguei algumas britas. Porém só o espantei com gritos, mostrando meu sorriso desdentado – de animal louco. Mandei-o embora. Observando-o partir, ri a toa. Desde sempre fui homem-animal: mostrando os dentes na defensiva, ofensiva, ostentação e vitória, escondendo-os na tristeza (fazendo os olhos vazarem), decepção, tombos de egocentrismo que fazem a cara bater no chão, compartilhando-os em trocas de carinho, trocando-os por recompensas”.
Acordei, às 3h, com as imagens ainda em minhas retinas, meus dedos segurando pedrinhas imaginárias. Passei a língua entre os dentes, busquei no criado mudo uma garrafa de água. Bebi, saciei-me e liguei para Denise. Alguns toques depois, sua voz sonolenta manifestou-se, parecendo metálica e automática.
- Oi, algo urgente? Outra noite de insônia? - perguntou.
- Não, nada disso. Dormi, até mesmo sonhei, mas...
- Tu andas tomando a medicação?
- Odeio tomar aquelas porcarias.
- Pelo jeito vou te ver amanhã.
- Talvez.
- Inspira e expira.
- Não, Denise. É sério!
- Como das outras vezes? Foi só um pesadelo.
- Não, não! – gritei.
- Das duas uma: ou tu estás surtando ou drogado.
- Já te disse, parei com a maconha faz seis meses.
- E o ácido?
- Nunca usei. Tu devia saber.
- Toma o remédio que eu te receitei, ok? Ouve uma música que tu goste, nada de coisas mundanas, te desliga do mundo.
- Meu pai te paga para tu me escutar, sabia?
- Mas tu precisas te ajudar, quem faz o verdadeiro trabalho de equilíbrio emocional és tu.
- Amanhã, ás 15h, eu vou à consulta.
- Qualquer coisa liga-me.
- Tchau.
Desliguei o telefone antes que ela tivesse tempo para uma resposta. Esperava mais dela, contudo só me servia como entulho (de pensamentos e outras coisas que eu não controlava) nas horas de expediente. Uma grande – e cara – medíocre. Disquei outro número.
- Oi!
- Outra noite dormida em pântanos? – perguntou.
- É, naqueles onde o sol nunca acorda nem dorme, muito menos brilha.
Eu havia chegado no fundo do poço de pedra limada. Despejei todas as palavras sobre as cenas, as quais só eu entendia.
- Sente-se melhor?
- Não sei. Prefiro dizer menos pesado, mais feliz porque tua presença telefônica alimenta meu coração carnívoro, sedento de atenções. Posso te ver amanhã? Às 16h, na praça?
Tenho que desligar antes que o sono passe. – menti.
- Claro. Espera! Tu não tens consulta com a Denise?
- Tenho. Dá tempo. Tchau.
- Tchauzito.
Desliguei o telefone, eram quase 4 da manhã. Virei e revirei-me em vão. Horas mais tarde, após ver os primeiros raios de sol. Levantei, tomei meu banho, passei café, estilo tintura, comi uma banana e um pãozinho com mumu. Distribui bons dias, bocejos e gestos, fechado, armado para não aparentar. Dissimulado, sem olhos oblíquos, muito menos cigano, raramente ressacados, porém sempre carnívoros.
Outro dia, uma Quarta – Feira, de rotina. Eram 15h e, eu estava sentado no divã de Denise, sem sapatos, olhando a janela cuja vista deixa-me com certos anseios. Era o 12º andar, a noite com as luzes tangerina deveria ser esplendido, um céu de estrelas laranjas.
- Me fala de ontem?
- Ontem?
- É!
- Eu te liguei?
- Sim.
- Que horas?
- De madrugada.
- Tomei os remédios. É impossível, aquilo apaga até um elefante.
- Alguma coisa me diz para desconfiar.
- Por quê? Só porque eu sou diagnosticado obsessivo compulsivo não raivoso com dificuldades de me relacionar, com tendência a desenvolver esquizofrenia? Só porque eu só me relaciono com quem eu vejo certa graça! O normal maquinal não me interessa. Com tantas características de ganhador de mister simpatia, eu posso muito bem ser sonâmbulo.
- Vou confiar.
- Obrigado.
- Tenho um encontro hoje.
- Sério! Ótimo, grande progresso. E em grupo?
- Me relacionando.
- Está fumando um Black, as vezes?
- Se estivesse não te diria.
- Tu estavas indo tão bem.
- Um pouco de sinceridade demais afeta.
- E de consciência?
- Também, mas menos.
- Quando é esse teu encontro?
- Agora, as 16h.
- E a seção?
- Se eu sair, vais mandar internar-me?
- Não, muito menos se for pela janela.
- Tá certo, essa semana compensamos e, tu me constas o meu sonho! – ri.
- Certo, vou falar com teus pais.
- Pode dizer tudo isso, mais alguns ano de convivência pro nosso currículo, né?
- De fato. – sorriu – vai antes que te atrase.
- Tchau. A propósito, nem todas as flores ficam bonitas com a cor da parede e alguns cheiros inibem. Acho que flores do campo são melhores que lírios nesse caso, o vermelho deles combina com tua íris cor-de-terra.
Bati a porta, desci andares. Ganhei a rua e em cinco minutos a praça. Vislumbrei uma silhueta sentada em um banco de madeira. Senti ao lado dela, então minha rotina foi-se aos ares.
Nós sentados no banco da praça, ouvíamos os barulhos de todas as vozes, menos as nossas. Foram alguns segundos com aparência de minutos, até alguém puxar assunto.
- Adoro esse lugar – eu disse.
- Sim, é muito bonito mesmo, pena que é mal conservado.
- Geralmente as pessoas não dão muita atenção àquilo que não possui tanto glamour.
- Que horas são?
- 16h.
- Tu não devias estar na Denise?
- Tive só meia seção. Disse que não lembrava de ter ligado, alegando sonambulismo,por causa daqueles remédios.
- E ela...
- Nada, muito impessoal. Ia confiar em mim.
- Mas só meia hora?
- Aleguei que tinha compromisso.
- Simples assim?
- Exato.
- O sonho não era simples.
- Nem de longe – ri.
- Qual era o problema?
- Nenhum, porém há alguma coisa.
- Como...
- Um só pneu. Um.
- E...
- Com um é impossível andar de bicicleta.
- Não tem como saber se ele ia andar de bicicleta.
- Um não é suficiente.
- Mas para aquele homem devia ser.
- Bom, esse é o ponto. Porque ele é satisfeito com pouco.
- Questões de percepção.
- Um não faz a bicicleta andar.
- Tu estás muito afetado hoje, parece louco.
- Não sou louco.
- Antes de aceitar, primeiro se nega. Vais negar a Denise, os remédios, os sonhos, as insônias...
- Nenhuma nem outra.
- Então!
- Eu vejo diferente.
- Diferente? Ou puro egocentrismo?
- Apenas diferente, eu não quero só ver, quero sentir antes de tudo.
- Exemplifique.
- Tenho algumas condições.
- Acho perigoso negociar com estranhos, mas fala logo. Quais? – riu.
- Nada de linguagem monossilábica e uma chance, até duas.
- Aceito.
- Olha ali aquele casal. Ficam absortos em seus segredos de canto de ouvido, falando poemas repentinos, apimentando-se na briga, mas preste atenção na menina: está impaciente, parecendo sufocada. Mexe os dedos, olha o chão, não o abraça forte, contudo põe as mãos nas pernas ou no peito dele suavemente, parecendo estar afastando-o. Uma tristeza sobe por todos os nervos vendo essa cena, pois ela não sabe como dizer o necessário para o fim, tem medo, paixões apagadas, pouca coragem e muitas desculpas por não sentir mais. Engana a ela mesma, ilude quem a ama.
Mais outro – eu disse apontando uma criança avulsa - a mãe a cuida, mas distraída, conversando com outras mães. Ela e a menina são marcadas pela pobreza, até ai tudo bem, há muitos na mesma situação desgraçada. Note como a criança presta atenção no lanche das outras, tem aquela partezinha do olho esbranquiçada demais, provavelmente está anêmica, sente fome, tristeza e a injustiça de ser mais uma invisível entre milhões de famintos, mesmo assim sorri banguela, diante da oportunidade de andar de balanço.
Mais um trecho da vida doce-azedo.
- Isso faz meu coração parecer oco.
- Todos os corações são ocos.
Peguei suas mãos frias, levando-as até meu peito.
- Fecha os olhos.
Fechou-os.
- As cavidades são preenchidas com sangue, é um pulsar não constante, contudo ritmado, só cessa quando se morre. Ele bate.
Levei minhas mãos até seu rosto.
- A diferença: no nosso automático os olhos veem e só. Mas, não só os olhos que veem e sentem, todo o resto também. Se tu acreditar, por cinco minutos, na minha insanidade e transforma-la em sanidade, terá todo o mundo, não só uma parte.
Abriu os olhos.
- Louco.
- Apenas acho que uma roda não faz uma bicicleta andar.
Piscava, piscava. Absorvendo tudo, como se procurasse alguma coisa.
- Isso te basta? – perguntou-me.
- Uma questão de percepção. Eu me importo, portanto reparo.
- Sim ou não?
- Sim, não...
- Entendo.
- Quanto?
- O suficiente para saber que uma roda não faz uma bicicleta andar, mas um monociclo talvez.
- Já volto.
Saí, comprei um saquinho de bala toffee, já que achei que seria propício.
- Desculpa, não tinha azedinhas, só toffee. Quer?
- Não.
- Meus cinco minutos acabaram?
- Não sei... Limpa esses dentes, todas as bala fico aí.
Sorri, deixando os caramelos enfeitarem meus dentes.
- Me dá isso!
Num rápido puxão, pegou o saquinho de minhas mãos. Levantou-se rápido, hesitando no meio do caminho de areia, decorado por brinquedos enferrujados e árvores antigas, por fim chegando ao seu objetivo: a menina a qual mencionei minutos atrás. Estendeu as balas, disse que eram um presente. Deu um beijo na face suada. Voltou, sentando-se ao meu lado.
- Impulsivo. – brinquei.
- Louco.
- O sanatório nos espera – ri.
- Vou embora.
- Não vais te perder?
- Tem ônibus para o hospício na parada. – escarnou.
- Por hoje acho melhor ir para casa.
- Também.
- Vê se dorme bem.
- E se eu sonhar com o pneu?
- Duvido.
- Pois?
- O mistério te basta.
- ãhn?
- Não importa o que ele faça, desde que faça e lhe seja suficiente. Cada um tem o direito de viver a sua própria insanidade.
- Alguma diferença?
- O neutro inexiste. Quando levanto as mãos ao céu, tento pegar nuvens, as quais não parecem tão distantes, quase atingíveis, são algodão. Tomam formas quaisquer. É só imaginar, sentir o possível dentro do impossível.
-Sem limites?
- Claro.
- E se um dia...
- Eu pegá-las? Levo-as para o hospício.
- Tchau.
- Até mais, me liga?
- Quando der.
O corpo sumiu na praça velha, deixando-me sozinho com nuvens, um casal rompido e uma criança entupida. O pôr-do-sol arroxeado deixava em evidência o esvair do dia. Naquela noite, tive insônia.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Ciano

Tu na minha frente, do lado oposto, na mesa revestida de veludo vermelho. Esperavas meu último movimento, a cartada. Satisfiz teu desejo, por sinal, o meu também. Larguei os naipes vermelhos e pretos devagar, mas isso não era o suficiente para não ouvir os ruídos (fortes sons, naquele instante) das cartas chocando-se contra a superfície, deixando livre meus dedos tortos. Era 30 de fevereiro, as doses de cianeto desciam pelas gargantas roucas, só via os reflexos da tua íris de cor estranha.
Pupilas dilatadas, tuas cartas revelam-se, caindo leves. Tu venceste, eu perdi. Já havia perdidos as contas de quantas vezes, azares de quem se arrisca. Meus dedos ao léu, Nada mais a fazer, diante daquela neblina, da rua de nossos caminhos, que fazia parecer um eclipse imaginário de luzes néon, ainda tinha algumas moedas nos bolsos, prevenção de que quem, há muito tempo, foi ferido e calejado.
Cianeto demais na garganta, ciano demais no céu da parede arroxeada.
Movimentos bruscos, eu podia ver a tua imagem: indo à direção do ponto cardeal oposto ao meu, tuas costas de frente para mim, permitia-me ver teu terceiro olho – que tu abrias, a fim de as proteger de quem as golpeava. Fiquei inerte, perdedor. Rei dos condenados, desafortunados. Naqueles instantes onde os azuis se fazem roxos, depois pretos na noite, em minha fantasia, de lua nova.
Cianeto de menos nas cordas roucas. Ciano de menos nas íris oculares ausentes.
Isso era diferente, mais que blefe, eram meus sentidos. Eu te via no escuro, teus sinais, impossíveis de não perceber, mas, é assim, alguém tem que perder, te perder. Ao menos, apostar para saber. Agilizando meus dedos tortos, embaralhei meu baralho surrado, mais uma vez em milhares, enfim: cartadas dadas, marcadas ou não, são jogadas mortas. Na impossibilidade da vitória perpétua, a derrota veio bater em minha porta: levando muito, deixando-me mudo.
Cianeto fala, ciano cala
Cianeto alucina, ciano metamorfiza.
Cianeto ciano humaniza.
Agucei os sentidos, através da ausência de outro. Mais uma pupila dilatada, meu terceiro olho – agora aberto – estava seco. Capaz de ver os vidros, teu outro olho sem tremer, por causa das intensidades e tempestades que só os olhos têm. Eu: ferido, calejado, acostumado com o azar, prefiro os desertos. Tu: lisa, afortunada, habituada com os riscos, prefere os dilúvios, é a rainha das minhas tempestades, nos meus desertos onde quase nunca chove.
Cianeto entorpece, ciano entristece.
Sentou-se o próximo, mais um adversário comum, no jogar das minhas ventanias de areia, tinha íris cor de terra, palavras de amador, mas não se comparava a ti; mesmo em pontos cardeais opostos, no veludo vermelho agora manchado de cianeto.
Ciano, a tua cor, nos olhos de tempestade.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Decidi apegar-me as primeiras ideias, antes que a meia noite chegasse e transfigurasse tudo em abóboras, eu não derretesse ou a lua cheia virasse nova.

Meio de tarde de fevereiro, no hemisfério sul, eu não sabia as coordenadas geográficas (talvez bem perto de um lugar bem quente, mas não o inferno – isso era extremo demais). Alguns roncavam estirados nas redes, jogavam jogos de azar com cartas marcadas, uma perdida  rodopiava – ouvindo um Janis imaginária – parecia um festival hippie, quase uma rave, ao contrário: era apenas pessoas felizes depois de um churrasco de sábado. Todos sobre os efeitos colaterais de algumas substâncias variáveis, mas eu só tinha tomado água, era movido pelo vício: mangas, pois bem, cada louco com sua mania ou buscador de alguma substância estranha que substitua a dor no coração.
Se não fosse por algumas árvores, teria dito que aquilo tudo era sertão ou terras do sem fim, mas o verde falava contra, as libélulas tiravam de jogo as teorias de que tudo era um grande forno de assar bolos achocolatados. Uma piscina de mil litros viria bem a calhar, ao menos para afagar a garganta seca carente de fruta tropical, diante das vontades era impossível fugir da fixação. Nada pode realmente proteger daquilo que realmente se quer.
Então, fiquei perante o porquinho de porcelana rosa, martelo em mãos. A sua cara feliz, despreocupada e meiga pintada dava-me pena de esfacelá-la, através de batidas nem um pouco suaves. Era a vida. Uma, duas, três batidas. Agora a face do porquito era cacos, feia e caolha. Coitado, morto por causa de um fruto carnoso, contudo, a principio, minhas moedas aqueceriam às economias mundiais, entrando em circulação.
Fui ao boteco, os infra vermelhos e violetas a pino, sem guarda sol, mais um simples filho do Brasil, passando pelas veredas não calçadas – não esperava mais do que isso, tendo em vista o lugar que vivo: em todas as bocas a desesperança de soluções, só desilusões, onde a lei da selva rei absoluta de forma, aparentemente, não natural , ou seja, ia conforme os andantes da massa humana despreocupada. Eu fazia parte disso, logo tinha certeza:  aqui onde o céu é multicolor, dispor-se a rir dos absurdos é essencial, protetor solar também.
Queria comprar mangas (quem precisa de sorvete no verão, quando se tem manga?), então direcionei meus músculos, articulações e afins, rumo ao mercadinho mais próximo. O calor era imenso, derretendo balas, atiçando moscas e mosquitos os quais faziam festa com a exposição corporal, trazida pelos primeiros meses do ano, transformando tudo em um grande açougue de olhos humanos famintos e insetos sedentos. Caminhava pela cena, mas estava não a tocava, mas reparava: ela estava longe de ser uma abstração.
Tudo junto e misturado! Uma velha passava com um homem em seu carro  (neto ou gigolô?); meninas caminhavam praticamente com a bunda à mostra – graças às manias de roupa extra curta – botando para fora seus hormônios, estava perto da vulgaridade, mas, ao menos, graças a deus ao perfeito impossível da revista da banca; outro cara, sentado no meio fio, esperava a recepção de mercadorias; alguns perdidos riam; cachorros e gatos a sombra de arbustos descansavam. Cada um deles tinha uma história relativa, mas todos andavam com suas correntes invisíveis (vícios, obrigações, visões distorcidas...), tudo sutilmente ácido, a ponto de não ser sentido a flor da pele.
Impulsionado pelos vícios e desejos – motores infalíveis – consegui chegar ao barzinho, lá logo depois da lomba  esquecida ao lado de um salão de beleza, onde se contava os que passavam na rua, matei milhares de mosquitos pelo caminho, uma caminha olímpica contra as forças da natureza, antropológicas . Entrei no estabelecimento,suspirei fundo, estava com refluxo, era urgente! Me consumia. Fui direto à prateleira das frutas e verduras, esquecendo do pão e da cerveja, já que circo não existia. Tudo murcho, passado ou maduro demais. Mexendo a cabeça em todas as direções possíveis, procurando... Meio transtornado abordei um homem:
- Com licença, tu tens mangas?
- Ãhn? Quê?
- Tu tens mangas?
- Hm, dá pra falar de novo?
- Seguinte, mano, tu tem umas manga ai, sabe? Aquelas grandes meio rosa, amarelo e verde. Tá ligado? – respirou fundo, agora sabia que havia falado num dialeto compreensível.
- Beleza. Não tem.
- Nonada! Não creio.
- Nona.. o quê?
- Ah energúmeno! Tem certeza?
- Isso tem haver com energético né? Perae que eu vou te trazer um! Prefere Burn ou Red Bull? – Foi-se embora para o estoque.
É eu estava precisando de asas (fuga rápida e fresca) daquele lugar, mas não sem nada nas mãos. Comecei a vagar por prateleira com todos os tipos de produtos engordurados (dos hidrogenados ao cis-trans); misturas prontas; um açougue real; cacau e café. Aqueles rótulos davam-me medo, pois não sabia pronunciar corretamente extrato de betametacoisinina-74 modificada. Enfim, se tens coragem: come.  Acabei voltando ao mesmo lugar, olhando as frutas murchas. Bananas, laranjas, limões, ameixas, cáquis, uvas, melões, outras infinidades, lutando contra a abstinência – já não possuía mais esmalte – então, se tens forças, defende-te. Se nada, aceita: sujeita-te, morde os dentes na bochecha. Se queres caminha adiante. Seguindo ao contrário toda minha linha de lógica de autopreservação, fiquei estático.
Até que o atendente veio com o Red Bull. Olhei, perguntei:
- Sugar Free?
- Que é isso?
Respirei, expirei. Calma, ele não é obrigado a saber inglês, muito menos falar que nem erudito nessa merda onde ninguém fala direito.
- O azul clarinho, sabe?
- Ah, tá! É esse aí. – sorriu.
A culpa era minha, quase sempre, é melhor utilizar a simplicidade, senso comum nesses casos, afinal culturas, linguagens, hábitos variam conforme os lugares. Dei o dinheiro para ele (não havia caixa registradora), ele foi para dentro anotar no caderninho. Eu, meio lunático, sai portas a fora, ganhando o sol. Uns berros atrás de mim, tiraram-me dos devaneios.
- Mano, teu troco.
Assassino de português, porém honesto.
- Obrigada, mesmo.
- Por nada.
Observei, ele foi voltando com passo gingado, típico malandro e, eu voltei sem mangas, sugar free, sobre nuvens de insetos – sem asas, contudo se tens esperanças: segue até a próxima quitanda, indo de acordo com os passos da massa, o corpo, a mente virando sol. Chuva? Não. Piscina de mil litros? Também não. O vício corroia tal qual ácido, ardendo que nem úlcera.
Rumando ao objetivo seguinte, a aventura continuava. Na quitanda da esquina haveria mangas, a minha substância estranha que me arrancasse uma parte. Sem escolhas! Se vives: segue em frente, enfrenta-te, aguenta.

"Não tirei bilhete para a vida,
Errei a porta do sentimento,
Não houve vontade ou ocasião que eu não perdesse.
Hoje não me resta, em vésperas de viagem,
Com a mala aberta esperando a arrumação adiada,
Sentado na cadeira em companhia com as camisas que não cabem,
Hoje não me resta (à parte o incômodo de estar assim sentado)
Senão saber isto:
Grandes são os desertos, e tudo é deserto. "
 
- Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)

domingo, 24 de janeiro de 2010

Sinto, apesar da distância.

A morte é inevitável, entretanto a forma como ela chega, faz a vida, em meio a sua feiúra de misérias, futilidades, monstros e guerras criadas pelos homens, transformar-se em algo no qual uma palavra de descrição corre o risco de se tornar insulto. Sem palavras, só os cinco sentidos, a vontade de tê-la em mãos (para sempre) mesmo sabendo da impossibilidade : é água que escorre pelos dedos, contagem dos grãos de areia da praia, as ganas e as lutas pela vida – os dias, não são apenas dias, são milagres.

Nasceu pelas mãos do obstetra, foi lavado pelas enfermeiras e aconchegou-se nos braços da mãe. Aprendeu a dar os primeiros passos (caindo e levantando), descobriu as paixões pelo futebol, risos frouxos entre os amigos, namoricos de criança os quais, mais tarde, viraram motivos de risos diante dos exageros da época. Ouviu “nãos” e “sins”, riu das sortes e dos azares, mas no fim debochou de tudo, já que tudo aquilo é era apenas uma fase ruim. Não gostava de alface, preferia tomate. Nasceu carregando o feto da morte que, por fim, viria a crescer e consumi-lo, haveria de vestir luto e, o luto o vestiria (ao entardecer ou amanhecer dependeria). Tal qual todos os outros, portanto, assim como eles, havia algo que o singularizava: os formatos. Não somente dos dedos, boca, andar e seu falar, era tudo – até seus erros, principalmente a sua percepção, fragilidades e fortalezas. Não se esquecendo dos rumos, batidas do coração que ficam subentendidos.
Corria despreocupado nos espaços, ultrapassava escadarias com a maior facilidade, até que se segurou numa barra de sustentação, tentando uma artimanha para vencer a corrida, bateu a cabeça no concreto duro, abrindo um talho. Na inconsciência foi levado ao hospital, nos raios-X apareceu muito mais do que cortes, um tumor – essa palavra que se é familiar de novelas e seriados médicos, tão vaga, distante que, quando ela não é ficcional, parece surreal. Se não fosse por ela, não teria sobrevivido tanto tempo. Foi apenas o início: as primeiras seções de quimioterapia, batalhas diárias. Os medos de não acordar os olhos no dia seguinte, dele e de quem lhe amava, sensações a flor da pele, alguma força de outro mundo tirada de algum lugar, toda a dor que o ensinou a gritar e a chorar, só mais tarde entender. Até aparentemente passar; o primeiro passou.
O segundo não, era de medula. Ficou com dificuldade para caminhar, já não podia mais apostar corrida, mas se fez presente com os olhos, apaixonou-se pelo teatro e medicina (então descobriu que queria ser médico). Indo e voltando dos quatros de paredes brancas, dizendo que o nunca seria tarde para realizar seus sonhos, pois venceria. Então por quais motivos perderia seu tempo com lamentações, preocupações do dia seguinte, se o que importa é o hoje? A rosa vermelha virá flor seca, seja no vaso de cristal ou na lápide. Tudo era bom demais, sonhar era bom demais. Duvidar era impossível. Queixar-se um insulto, até das vertigens. Era guerreiro, anjo de asas as quais não voavam.
Por muito tempo suportou, mesmo quando via sua face magra (parecida com uma caveira), até o dia cujo corpo foi mais forte que a alma, a fé. Então seus parentes chamaram a ambulância, não fora um acidente. No fundo de toda a esperança: o pessimismo. Nos lençóis de algodão, no meio de todos aqueles que amava, travou a última batalha. Dela só um buraco vazio, ele fora apostar corrida com as estrelas, virou anjo de asas transparentes que o levavam a qualquer lugar – como sempre desejou – o faziam fugir da prisão e da dor.
A quem diga que ele foi derrotado, ao contrário: saiu vencedor. Porque reclamar é fácil, inventar uma desculpa também, principalmente diante da conveniência, passar os anos na inércia, nos marasmos do conforto e da alienação mais ainda, já que o tempo é rápido, sem reprises, pipocas de ontem. Ele só tinha 17. Eu tenho 18, tantas aspirações, anseios e desejos quanto ele, eu permaneci; tive a sorte de ter mais um dia, mesmo que vestindo luto.
Há muitas outras histórias tristes como essa, quem sabe mais deprimentes ainda. Existem muitos que nem os descansos da morte têm, ficam como vegetais. Outros morrem em acidentes de carro, terremotos, AIDS, fome, subjugados por outras substâncias; basta olhar os lados, as diagonais, o norte o sul. Desde sempre a vida, na sua preciosidade, foi justa? Jamais. Ao acontecer uma história com tamanha proximidade dos nossos olhos, adquiri-se outra percepção. Adiciona-se mais um formato. Ao menos estar vivo dá mais uma chance de viver, como ele fez., por mais difícil que aparente.

Minueto e rondó
Amanhecia. Não havia ninguém na rua.
Não, foi assim: debruçado no terraço, ele olhou primeiro para cima - e viu que o azul do céu quase preto aqui e ali se fazia cinza cada vez mais claro em direção ao horizonte, se houvesse horizonte, em todo caso atrás dos últimos edifícios que eram, digamos, um sucedâneo de horizontes. E amanhecia, concluiu então. Debruçado no terraço, ele olhou segundo para baixo - e viu que na longa rua não havia rumores nem carros nem pessoas, só os sete viadutos também desertos. Não havia ninguém na rua, concluiu ainda.
Debruçado no terraço, amanhecia.
Ao mesmo tempo, em seguida, um de-dentro pensou: e se alguém realmente e finalmente apertou o botão? e se aquele cinza-claro no sucedâneo de horizonte for o clarão metálico? e se eu estava dormindo quando tudo aconteceu? e se fiquei sozinho na cidade, no país, no continente, no planeta? Sabia que não. E um outro de-dentro pensava também, se sobrepujando mais claro, quase organizado, não totalmente porque para dizer a verdade não era um pensamento nem uma emoção, mas algo assim como o cinza-claro brotando natural por sobre o horizonte, se houvesse horizonte, ou como o vento fresco batendo nas cortinas, ou ainda como se uma onda nascesse daquele imóvel mar ativo, ali onde começa a luz, onde começa o vento, onde começa a onda, desse lugar qualquer que eu não sei, nem você, nem ele sabia agora: brotou qualquer coisa como - não quero ser piegas, mas talvez não tenha outro jeito - uma luz, um vento, uma onda. Exatamente. Uma onda calma ou arquejante, um vento minuano ou siroco, uma luz mortiça ou luminosa, repito que brotou, repetiu incrédulo.
Ele teve certeza. Ou claras suspeitas. Que talvez não houvesse lesões, no sentido de perder, mas acúmulos no sentido de somar? Sim sim. Transmutações e não perdas irreparáveis, alices-davis que o tempo levara, mas substituições oportunas, como se fossem mágicas, tão a seu tempo viriam, alices-davis que um tempo novo traria? Não era uma sensação química. Ele não tinha a boca seca nem as pupilas dilatadas. Estava exatamente como era, sem aditivos.
Vou-me embora, pensou: a estrada é longa.
Tocou então o próprio corpo. Uma glória interior, foi assim que batizou solene, infinitamente delicado, quando ela brotou. Arpejo, foi o que lhe ocorreu, ridículo complacente, cor-nu-có-pia soletrou, quero um instante assim barroco, desejou. Mas vestido de amarelo como estava, visto de costas contra o céu, supondo que uma câmera cinematográfica colocada aqui na porta desta sala o enquadrasse agora pareceria quase bizantino, ouro sobre azul, magreza mística, que tinha sua cultura, sua leitura. E culpa alguma. Gótico, gemeu torcido, unindo as duas mãos no sexo, no ventre, no peito, no rosto e elevando-as acima da cabeça.
O sol estava nascendo.
Poderia talvez ser internado no próximo minuto, mas era realmente um pouco assim como se ouvisse as notas iniciais de A sagração da primavera. O gosto mofado de morangos tinha desaparecido. Como uma dor de cabeça, de repente. Tinha cinco anos mais que trinta. Estava na metade, supondo que setenta fosse sua conta. Mas era um homem recém-nascido quando voltou-se devagar, num giro de cento e oitenta graus sobre os próprios pés, para deslizar as costas pela sacada até ficar de joelhos sobre os ladrilhos escuros, as mãos postas sobre o sexo.
Abriu os dedos. Absolutamente calmo, absolutamente claro, absolutamente só enquanto considerava atento, observando os canteiros de cimento: será possível plantar morangos aqui? Ou se não aqui, procurar algum lugar em outro lugar? Frescos morangos vivos vermelhos.
Achava que sim.
Que sim.
Sim.”

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

cena fragmentada em um cotidiano de ventania


Aquilo não era mais do que uma cena fragmentada em um cotidiano de ventania. Uma borboleta negra (ou mariposa em plena luz do dia?) passou, tocando a unha colorida, antenas com as pálpebras e, logo depois, seguindo sua corrida contra as correntes do ar, sem deixar rastros, em busca de opções. Eu permaneci ali, pensando em itens avulsos, olhando as unhas vermelho-pimenta, pois, às vezes, raciocinar em linhas retas ou tortas doía da mesma forma e voar contra a corrente exigia sacrifícios. Então fiquei sentada, enquanto o vento emaranhava os cabelos e, todos os meus desejos, vontades e possibilidades exigiam de mim atitudes mais concretas, quem sabe até um pouco mais de humanidade.
Será que minha vontade era tão grande a ponto de conseguir alguma coisa, não avulsa, com motivos, sem data de fabricação ou validação, na medida da loucura lúcida, para vencer minhas batalhas - onde o maior inimigo sou eu? Essa resposta tem muitas possibilidades, uma certeza: alguém vai sair ferido. Assim, prático.
Deveria, mas, por coisas que a minha vã filosofia desconhece ou egocentrismo a flor da pele, alguma parte escondida faz eu achar que dá sempre para salvar até o pior dos enforcados, fazer uma história diferente, só para fugir do usual. A perna balança, os dedos entrecruzam-se em notas sol de quarto decrescente aumentando a impaciência,dilatando as feridas abertas, tornando cinza chumbo os flash-blacks, de sépia, da retina. O ritmo do corpo misturou-se com a campainha do telefone, deixei uns segundos o som horrível entrar pelos tímpanos, o sangue subir a cabeça. A cena fragmentada, agora, tinha início, meio e final.
- Fala.
Não falei, botei os pulmões para fora. Até demais. O batom se fora, com a saliva. Naquele dia preferi o escracho à sutileza.
Melhor isso que a indiferença, olhos nos olhos, batalhas corpo a corpo, mortos e feridos. Éramos apenas soldados que deixaram de lutar, vencidos pelo cansaço, velhas fórmulas, embora seja impossível mascarar as verdadeiras essências – não importa os perfumes usados. Sentimos os pesos dos sete pecados os quais carregávamos de arrasto, dos tatos ásperos, distâncias dos nossos caminhos paralelos. E diante disso: calamo-nos, aparecendo como demônios nos pensamentos alheios.
Uma lágrima escorreu, tornando-se gota d’água benta. Demônios exorcizados, nenhum morto, contudo vários feridos. Final de guerra (sem mortes), uma borboleta que fugiu, assuntos acabados, outros recém postos em evidência. Sendo assim, não tive tempo de dizer adeus (nunca há), ele desligou antes, resultado de uma epifania? Não. Mais um romance de horas, desejos de minutos, luxúrias de segundos, ao menos tudo pleno e intenso.
Ao menos uma cena digna de novela mexicana, encaixada em um cotidiano de ventania.


“Porque naquelas casas, se o acolhiam, se lhe davam comida e dormida, era como cumprindo uma obrigação fastidiosa. Os donos da casa evitavam se aproximar dele, e o deixavam na sua sujeira, nunca tinham uma palavra boa para ele. (...) Mas desta vez estava sendo diferente. Desta vez não o deixaram na cozinha com seus molambos, não o puseram a dormir no quintal. Deram-lhe roupa, um quarto, comida na sala de jantar. (...) Então os lábios de Sem-Pernas se descerraram e ele soluçou, chorou muito encostado ao peito de sua mãe. E enquanto a abraçava e se deixava beijar, soluçava porque a ia abandonar e, mais que isso, a ia roubar. E ela talvez nunca soubesse que o Sem-Pernas sentia que ia furtar a si próprio também.” Jorge Amado, Capitães da Areia.

amei, cacete.




quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Areais do concreto

Olhava o nada, o céu das quatro horas, teoricamente menos propício às temperaturas fortes, deixava todas as sensações mais acentuadas, mas não as sentia, imune ao caos. Todas as vozes pareciam longe e híbridas (misturadas umas com as outras) e, todos os atos óbvios – como um castelo de cartas que desaba. Tão óbvios assim?
- Pegadas na areia? – perguntou o homem meio doido e encardido (aquele corpo já não via água fazia algum tempo), mostrando um cartão o qual tinha essa respectiva história. Arregalou os olhos, saindo do seu buraco negro:
- Não, obrigado.
O corpo encardido foi interrogar mais alguns, saindo da sua vista, desviando de quem não fazia parte das suas escolhas aleatórias. O observador sorriu de canto de boca. Agora já não era questão de poesia, muito menos metáfora, e sim da realidade – outra história que se repetia (mais um cavaleiro da chuva?) na insônia da noite anterior? Tudo conspirava para isso, mas era muito mais. Questões indecifráveis de fé. Levou os dedos levemente até a boca, demonstrava uma surpresa contida, os olhos brilhavam, escondidos pelas lentes escuras, desabou num suspiro de esperanças, pois era disso que precisava: um pouco de desconhecido, sua gênesis, seu êxodo, já que no concreto não se deixam pegadas, só resto de sombras. Sim ou não? Dúvida. Céu ou purgatório sobre sua cabeça? Areal ou mar de concreto? Isso era inegável: mar de concreto, em tempos de seca.
A garrafa de água caiu aberta, dando de beber ao asfalto, pingos voaram para todos os lados, molhando pés, insuficientes para acalmar os ânimos, porque evaporavam antes de solucionar os problemas dos corações alheios. Eles acabaram gerando algumas reclamações dos insensíveis e a indiferença dos distantes, mas nele só trouxeram indignação e mais dúvida.
- Tá tudo certo?
Queria dizer que não; contudo, como qualquer ser humano, o instinto de negação das fraquezas gritou e, na falta de criatividade para desculpas aceitáveis, veio uma resposta:
- Cansaço.
- Todo mundo tá assim, deve ser esse calor infernal. Quer um pouco do sorvete?
Recusou a baba gordurosa quente, extremamente decadente. A sensação de fraco, o resto em câmera lenta, sorvete derretido e sua crença em si mesmo colocada à prova, isso não era Gênesis ou Êxodo, era o Apocalipse, talvez um conto da Clarice Linspector se materializando nos arcanos do destino. Mais pensamentos dúbios, visões transparentes do presente e imaginações das linhas do futuro (inúteis) nas linhas dos areais de concreto.
- Tem certeza? Esse chocolate tá perfeito. Relaxa, fica tranqüilo. Vai dar tudo certo.
- Não, não. To mesmo é com vontade de tomar um café. – não confessou que também um cigarro, vodca com sprite e gelo seria ótimo, mas teve medo das reações.
Ouviu aquelas palavras a semana inteira, se bem que não há como não repetir palavras. Repetir. Lembrou-se dos velhos trechos: “se tua fé não alcanças e chegas a duvidar, não enxergas a verdade? Esqueceste. Não é a toa que caminhas por este caos. A primeira guerra passou, a segunda guerra passou, mas a terceira já foi escrita...”, “Não tentaste qualquer viagem.Não possuis casa, navio, terra, mas tens um cão. Algumas palavras duras,em voz mansa, te golpearam. Nunca, nunca curam. A injustiça não se resolve.À sombra do mundo errado, murmuras te um protesto tímido, mas virão outros”, “O milagre não é dar vida ao corpo extinto,ou luz ao cego,ou eloqüência ao mudo... Nem mudar água pura em vinho tinto... Milagre é acreditarem nisso tudo!”
- Loucura! Tomar café nesse calor.
- Pior é comer um cachorro quente da carrocinha. E vícios são vícios, é difícil negá-los.
- Certas coisas não se explicam.
- Felizes os que creem e não veem.
- Tu tá muito estressado.
Repetir, outra vez.
Quem sabe outra só para ter certeza da descrença. Será? Vacilou. A areia do concreto era dura, seguiu os demais rumo ao ônibus, deixando suas pegadas de sombra no concreto, não as seguiram, mas qual a importância? Tinha asas, embora não as visse. Eram de água, mudavam de cor constantemente, escorriam pelo ar, na hora do voo. Muito realismo fantástico, na sua fé.
Sentou no banco duro, sol sobre o rosto. Colocou a cabeça na janela, olhando a paisagem de concreto virando água de areia, murmurou palavras inalteradas e fingiu dormir. Passados 40 minutos, desceu do ônibus, seguiu o caminho até em casa. Chegando lá, tirou os tênis, mexeu com a pedra do isqueiro (como se fosse ascender um Black imaginário). Deu-se a combustão do gás butano, enfim, a água ferveu. Passou um café muito forte, colorido de preto, tomou um gole. Um fim de tarde amargo.
Esticou o braço, umas gotas de adoçante despejou na xícara. Tão amargo assim?