sábado, 6 de fevereiro de 2010

Decidi apegar-me as primeiras ideias, antes que a meia noite chegasse e transfigurasse tudo em abóboras, eu não derretesse ou a lua cheia virasse nova.

Meio de tarde de fevereiro, no hemisfério sul, eu não sabia as coordenadas geográficas (talvez bem perto de um lugar bem quente, mas não o inferno – isso era extremo demais). Alguns roncavam estirados nas redes, jogavam jogos de azar com cartas marcadas, uma perdida  rodopiava – ouvindo um Janis imaginária – parecia um festival hippie, quase uma rave, ao contrário: era apenas pessoas felizes depois de um churrasco de sábado. Todos sobre os efeitos colaterais de algumas substâncias variáveis, mas eu só tinha tomado água, era movido pelo vício: mangas, pois bem, cada louco com sua mania ou buscador de alguma substância estranha que substitua a dor no coração.
Se não fosse por algumas árvores, teria dito que aquilo tudo era sertão ou terras do sem fim, mas o verde falava contra, as libélulas tiravam de jogo as teorias de que tudo era um grande forno de assar bolos achocolatados. Uma piscina de mil litros viria bem a calhar, ao menos para afagar a garganta seca carente de fruta tropical, diante das vontades era impossível fugir da fixação. Nada pode realmente proteger daquilo que realmente se quer.
Então, fiquei perante o porquinho de porcelana rosa, martelo em mãos. A sua cara feliz, despreocupada e meiga pintada dava-me pena de esfacelá-la, através de batidas nem um pouco suaves. Era a vida. Uma, duas, três batidas. Agora a face do porquito era cacos, feia e caolha. Coitado, morto por causa de um fruto carnoso, contudo, a principio, minhas moedas aqueceriam às economias mundiais, entrando em circulação.
Fui ao boteco, os infra vermelhos e violetas a pino, sem guarda sol, mais um simples filho do Brasil, passando pelas veredas não calçadas – não esperava mais do que isso, tendo em vista o lugar que vivo: em todas as bocas a desesperança de soluções, só desilusões, onde a lei da selva rei absoluta de forma, aparentemente, não natural , ou seja, ia conforme os andantes da massa humana despreocupada. Eu fazia parte disso, logo tinha certeza:  aqui onde o céu é multicolor, dispor-se a rir dos absurdos é essencial, protetor solar também.
Queria comprar mangas (quem precisa de sorvete no verão, quando se tem manga?), então direcionei meus músculos, articulações e afins, rumo ao mercadinho mais próximo. O calor era imenso, derretendo balas, atiçando moscas e mosquitos os quais faziam festa com a exposição corporal, trazida pelos primeiros meses do ano, transformando tudo em um grande açougue de olhos humanos famintos e insetos sedentos. Caminhava pela cena, mas estava não a tocava, mas reparava: ela estava longe de ser uma abstração.
Tudo junto e misturado! Uma velha passava com um homem em seu carro  (neto ou gigolô?); meninas caminhavam praticamente com a bunda à mostra – graças às manias de roupa extra curta – botando para fora seus hormônios, estava perto da vulgaridade, mas, ao menos, graças a deus ao perfeito impossível da revista da banca; outro cara, sentado no meio fio, esperava a recepção de mercadorias; alguns perdidos riam; cachorros e gatos a sombra de arbustos descansavam. Cada um deles tinha uma história relativa, mas todos andavam com suas correntes invisíveis (vícios, obrigações, visões distorcidas...), tudo sutilmente ácido, a ponto de não ser sentido a flor da pele.
Impulsionado pelos vícios e desejos – motores infalíveis – consegui chegar ao barzinho, lá logo depois da lomba  esquecida ao lado de um salão de beleza, onde se contava os que passavam na rua, matei milhares de mosquitos pelo caminho, uma caminha olímpica contra as forças da natureza, antropológicas . Entrei no estabelecimento,suspirei fundo, estava com refluxo, era urgente! Me consumia. Fui direto à prateleira das frutas e verduras, esquecendo do pão e da cerveja, já que circo não existia. Tudo murcho, passado ou maduro demais. Mexendo a cabeça em todas as direções possíveis, procurando... Meio transtornado abordei um homem:
- Com licença, tu tens mangas?
- Ãhn? Quê?
- Tu tens mangas?
- Hm, dá pra falar de novo?
- Seguinte, mano, tu tem umas manga ai, sabe? Aquelas grandes meio rosa, amarelo e verde. Tá ligado? – respirou fundo, agora sabia que havia falado num dialeto compreensível.
- Beleza. Não tem.
- Nonada! Não creio.
- Nona.. o quê?
- Ah energúmeno! Tem certeza?
- Isso tem haver com energético né? Perae que eu vou te trazer um! Prefere Burn ou Red Bull? – Foi-se embora para o estoque.
É eu estava precisando de asas (fuga rápida e fresca) daquele lugar, mas não sem nada nas mãos. Comecei a vagar por prateleira com todos os tipos de produtos engordurados (dos hidrogenados ao cis-trans); misturas prontas; um açougue real; cacau e café. Aqueles rótulos davam-me medo, pois não sabia pronunciar corretamente extrato de betametacoisinina-74 modificada. Enfim, se tens coragem: come.  Acabei voltando ao mesmo lugar, olhando as frutas murchas. Bananas, laranjas, limões, ameixas, cáquis, uvas, melões, outras infinidades, lutando contra a abstinência – já não possuía mais esmalte – então, se tens forças, defende-te. Se nada, aceita: sujeita-te, morde os dentes na bochecha. Se queres caminha adiante. Seguindo ao contrário toda minha linha de lógica de autopreservação, fiquei estático.
Até que o atendente veio com o Red Bull. Olhei, perguntei:
- Sugar Free?
- Que é isso?
Respirei, expirei. Calma, ele não é obrigado a saber inglês, muito menos falar que nem erudito nessa merda onde ninguém fala direito.
- O azul clarinho, sabe?
- Ah, tá! É esse aí. – sorriu.
A culpa era minha, quase sempre, é melhor utilizar a simplicidade, senso comum nesses casos, afinal culturas, linguagens, hábitos variam conforme os lugares. Dei o dinheiro para ele (não havia caixa registradora), ele foi para dentro anotar no caderninho. Eu, meio lunático, sai portas a fora, ganhando o sol. Uns berros atrás de mim, tiraram-me dos devaneios.
- Mano, teu troco.
Assassino de português, porém honesto.
- Obrigada, mesmo.
- Por nada.
Observei, ele foi voltando com passo gingado, típico malandro e, eu voltei sem mangas, sugar free, sobre nuvens de insetos – sem asas, contudo se tens esperanças: segue até a próxima quitanda, indo de acordo com os passos da massa, o corpo, a mente virando sol. Chuva? Não. Piscina de mil litros? Também não. O vício corroia tal qual ácido, ardendo que nem úlcera.
Rumando ao objetivo seguinte, a aventura continuava. Na quitanda da esquina haveria mangas, a minha substância estranha que me arrancasse uma parte. Sem escolhas! Se vives: segue em frente, enfrenta-te, aguenta.

"Não tirei bilhete para a vida,
Errei a porta do sentimento,
Não houve vontade ou ocasião que eu não perdesse.
Hoje não me resta, em vésperas de viagem,
Com a mala aberta esperando a arrumação adiada,
Sentado na cadeira em companhia com as camisas que não cabem,
Hoje não me resta (à parte o incômodo de estar assim sentado)
Senão saber isto:
Grandes são os desertos, e tudo é deserto. "
 
- Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)

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