sábado, 5 de dezembro de 2009

Cavaleiro da Chuva

O sol das 17h batia, demais parecido com o do meio-dia,  insolava a cabaça. Sem óculos escuros, aqueles raios ultravioletas (que de violetas nada tinham) faziam os olhos contrairem-se, maldita espera, merda de parada de ônibus e uma feia pagando de gostosa.  Mormaço dava a sensação de ondas invisíveis, cheiro de pão d'água, graxa e peles. Sentei-me no meio fio, tudo tedioso - afinal: trivial demais.
Os pingos de suor diziam os segundos, uma garrafa de líquido trazia alívio e a mente vazia trazia tudo a flor da pele. Pele? Intensifica-se o cheiro delas, já não são mais aperências, são carmas e darmas. Na hora tanto fazia, quando um senhor passou a pé. Era cego, não possuia labrador, nem cusco andante, ou vara decente - parecia mais uma bengala de alumínio, comprada no R$ 1,99; contudo, caminhava confiante no sol, diante daquelas pessoas, na sua aparência simples e desgrenhada tinha tudo para ser mais um covarde, ele demonstrava o oposto, autosuficiência, obstinação, duvido que imaginava moinhos de vento, mas no negrume no qual vive, vislumbra além, naquele momento, parecia um cavaleiro da chuva. Admirei-o, enquanto seguia seu caminho, desafiando os abismos de cinco centímetros entre a calçada e a rua e os labirintos feitos pelas macumbas da encruzilhadas. Fiquei lá, sentado, imprestável, nem para fumar eu servia.
Sinal para o ônibus, daqui a 30 minutos o conforto do lar, e sem sinal de chuva surreal. Novamente o cheiro de peles, muitas outras. Será que conseguiram sentir as revoluções cuja pulsação emanava de mim? Ou eu estava louco? Comprindo carmas? Darmas por mais alguns passos longe da conformação por ser mais um fodido (cego, surdo e mudo  - tal qual aqueles macacos das histórias antigas que ninguém mais lembra, só sabem que são estátuas bonitas em uma casa contemporânea), sentindo os aromas de epidermes - não de flores. Podia ouvir as explosões, os terrores de dentro para fora e a música da novela: "Você não vale nada, mas eu gosto de você, tudo que eu queria era saber por quê", de fato, tudo que necessitava era de uma trilha sonora, mais um penduricalho enfeitando, novamente outra constação: não valho nada. Tudo que precisava era de coragem, algum vagalume para iluminar a escuridão e um cão andaluza para dar uma leve ironia.
Céus! Não choveu ainda? Respirei fundo, ensaiei sorrisos (felizmente, nenhum dente faltava), vi o portão. Meus pensamentos sobre o cavaleiro e toda sua chuva não haviam me abandonado, uma notícia boa, pois não queria calar-me. Pisei na grama, não eram flores, mas serviam ao prósito. Amanhã seria diferente, "amanhã há de ser outro dia, você vai ter que ver, a manhã renascer e  esbanjar poesia"  fazia mais sentido. Um pingo, dois, três, desabou. Era chuva, não me faltava nada, nem coragem. Por dentro: rouco e machucado. Por fora: intacto; sorria. Sentido a flor da pele, aquilo que fora acordado. Quebrei os três macacos de minha sala, ordenei-me cavaleiro. Chovia, chovia, tudo se alagava. Era o início; não o fim.
Instigara os sentidos, agora uma questão de tempo.


 


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